PRINCÍPIO DA COMPETÊNCIA-COMPETÊNCIA E VÍCIOS PRIMA FACIE DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA

Nos últimos anos, alinhado ao crescimento da utilização da arbitragem no país, houve um aumento no número de casos em que os Tribunais foram instigados a se manifestar a respeito da validade e eficácia de convenções de arbitragem. Tais convenções – que podem ser cláusulas ou compromisso arbitral – são aquelas nas quais as partes contratantes optam por afastar a jurisdição estatal e estabelecer o foro arbitral como competente para a solução de eventual conflito.
Uma das discussões surgidas diz respeito à possibilidade de o poder judiciário afastar a validade e eficácia de cláusulas compromissórias diante de alegação de hipossuficiência de uma das partes. A questão passou a ser tratada por alguns tribunais em completa dissonância com a interpretação dada pela doutrina e pelo Superior Tribunal de Justiça. Situação gerou insegurança em partes contratantes.
Isso, porque alguns tribunais passaram a afastar a validade e eficácia de cláusulas compromissórias antes de qualquer análise preliminar pelo tribunal arbitral. E, portanto, desconsideraram o posicionamento predominante até então de que é o tribunal arbitral que possui competência e poder para decidir a matéria.
Esse poder do tribunal arbitral é denominado de princípio kompetenz-kompetenz, pois diz respeito ao poder decisório deste a respeito de sua própria competência. O princípio em questão encontra respaldo no disposto no art. 8º, parágrafo único da Lei de Arbitragem (lei nº 9.307/96) que determina que questões relativas à nulidade, invalidade e/ou ineficácia da convenção de arbitragem devem ser suscitadas pela parte perante o próprio juízo arbitral.
A questão foi objeto de análise pelo Superior Tribunal de Justiça em julho de 2019, quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.598.220-RN foi reforçado o entendimento predominante até em então, de que não é viável o “afastamento pelo juízo estatal dos efeitos da cláusula compromissória de arbitragem em respeito ao princípio kompetenz-kompetenz”.
Isto é: o Superior Tribunal de Justiça confirmou a impossibilidade de que a validade e eficácia da cláusula compromissória sejam afastadas pelo poder judiciário. O poder decisório sobre a matéria é exclusivo do tribunal arbitral. A confirmação desse entendimento apesar de proporcionar maior segurança às partes contratantes ao privilegiar a manifestação de vontade havida no momento da contratação, não solucionou de forma definitiva o debate quanto a eventuais exceções ao princípio da competência-competência.
Atualmente, há julgados que flexibilizam e mitigam o princípio da competência-competência quando a discussão posta à análise do Poder Judiciário envolver vício identificáveis prima facie.
Essa flexibilização da interpretação do texto legal (art. 8º, parágrafo único da Lei de Arbitragem), acaba por abrir portas para a adoção de comportamentos oportunistas e medidas protelatórias por algumas partes, além de permitir maior interferência dos Tribunais nos contratos celebrados .
Os julgados recentes do Superior Tribunal de Justiça apontam por uma tendência deste em confirmar o entendimento de que vícios identificáveis prima facie podem ser apreciados pelo Poder Judiciário.
A questão, contudo, volta-se para a necessidade de que se compreenda quais seriam os vícios clarividentes, detectáveis prima facie, cuja apreciação seria possível pelo Poder Judiciário a despeito do Art. 8º da Lei de Arbitragem. Ao que parece razoável, tais vícios seriam as hipóteses de cláusula compromissória patológica, que impedem a instauração do procedimento arbitral.
É o que indica o julgamento do REsp 1699855/RS, em junho de 2021, no qual o relator Ministro Marco Aurélio Bellizze assinalou que o reconhecimento pelo Poder Judiciário acerca da inexistência, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem seria excepcional e restrito aos casos em que “vício que a inquina revelar-se, em princípio, clarividente (encerrando, assim, verdadeira cláusula compromissória arbitral patológica)”.

Autora:

LARISSA QUADROS DO ROSÁRIO. Advogada no escritório Braz Campos, em Curitiba-PR; Legal Designer e fundadora da Legal Creative. Especialista em Direito Empresarial pela FGV-LAW/SP.

 

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