MÃO NA AREIA. Um texto sobre sandbox regulatório e arbitragem.

Um problema que empresas inovadoras enfrentam é a ausência de regulamentação. “Será que minha atividade empresarial é permitida ou é proibida?”. Muitas vezes essa pergunta não apresenta resposta e atividades inovadoras se deparam com um vácuo jurídico. Determinadas atividades econômicas são tão disruptivas que sobre elas não existe legislação, precedentes judiciais ou mesmo normas das entidades reguladoras.

Essa insegurança sobre a permissão ou proibição é ruim para a economia e para a sociedade, pois coloca obstáculos para a inovação e consequente melhoria da vida das pessoas. Se por um lado o direito necessita de um tempo para debates e contraditório, por outro lado não se podem desperdiçar boas ideias.

Para buscar facilitar a resolução desse impasse, alguns órgãos reguladores desenvolveram seus sandboxes regulatórios.

O sandbox regulatório é uma proposta diferente para a criação de regras. Ao invés de se aguardar que o Congresso Nacional ou que as entidades reguladoras tomem a iniciativa e criem a norma de cima para baixo, passa a se permitir a criação das regras através da experiência prática em ambientes controlados.

Negócios extremamente inovadores poderão testar as disposições que regulam seu mercado por períodos pré-determinados e dentro de ciclos de análise, com limites colocados pelas entidades reguladoras. Essas entidades estabelecem comitês e requisitos básicos que devem ser observados dentro do sandbox regulatório. É uma abordagem empírica dos ambientes de regulação.

De forma geral os requisitos para esses projetos são a inovação, o aumento da eficiência e confiança dos produtos e serviços e o estímulo à concorrência e a melhoria na experiência do consumidor. É uma maneira de não se desestimular a criação de empresas que atuem em áreas não regulamentadas.

A expressão sandbox regulatório, ou caixa de areia regulatória, ajuda a explicar o seu conceito. Podemos imaginar uma criança brincando em um caixa de areia sob os cuidados de seu pai ou de sua mãe. Aquele espaço delimitado permite que ela experimente a sua criatividade sem grandes riscos a sua saúde. Eventualmente se colocar areia na boca, um de seus genitores estará de prontidão para intervir. Assim como a criança, as empresas inovadoras poderão testar como devem ser regulamentadas dentro de um ambiente seguro e sob observação da entidade reguladora.

É uma mudança de paradigma em que o Poder Público deixa de olhar com desconfiança para o empreendedor inovador e passa a construir, junto com ele, um novo cenário regulatório. Ao invés de delegar a criação da norma para a autoridade pública, o agente privado interessado também participa da criação, o que torna o ambiente mais democrático.

No ambiente de sandbox regulatório governança e compliance são essenciais para que as atividades permaneçam idôneas e que erros possam ser rapidamente observados e corrigidos.

A existência do modelo de sandbox regulatório tem o potencial de diminuir a duração de vácuos regulatórios, além de dar um caminho mais seguro para as empresas inovadoras.

No Brasil, pode se dar destaque para os seguintes sandboxes regulatórios:

  • Instrução CVM 626/2020.
  • Resolução CMN 4.865/2020.
  • Resolução BCB 20/2020.
  • Circular SUSEP 598/2020.
  • Resolução CNSP 381/2020.

Ainda que o ambiente de sandbox regulatório seja produtivo para resolver problemas jurídicos e possa previnir muitos conflitos, certamente o conflito virá, como é natural em qualquer relação humana.

Muitos desses conflitos não serão resolvidos de forma consensual. Seja pela negociação, mediação, conciliação ou outro método que finalize em um acordo entre as partes. Será necessário que entidades com poder de julgamento decidam as questões que permanecerem controversas. A arbitragem terá um papel fundamental para essa tarefa.

Poucos profissionais terão profundo conhecimento a respeito dos temas sobre os quais se deve decidir quando se fala em inovação. São temas muito específicos. Nesse ponto a arbitragem tem grande relevância. A possibilidade de escolher especialistas para o papel de árbitro é certamente uma grande vantagem.

Empresas envolvidas nas experiências sandbox precisam resolver os problemas de forma ágil. São pioneiras em um deserto não explorado e o tempo é vital. O que importa é solucionar o impasse e seguir a vida e não permanecer anos remoendo um conflito do passado.

Assim, as características da especialidade e da agilidade colocam a arbitragem numa posição fundamental nos contratos e nas relações das empresas submetidas a sandbox regulatório. Os potenciais conflitos vão demandar análises profundas e rápidas, o que não é mais difícil através do Poder Judiciário, tendo em vista o grande número de processos que tramitam no Brasil.

A comunidade de profissionais envolvidos com a arbitragem tem uma grande oportunidade com o sandbox regulatório e precisa se acostumar a colocar a mão na areia.

 


Autor: Filipe Starke
Advogado e Árbitro da CAMESC.

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